E se um dia olhares para o espelho e não reconheceres o que está por detrás do reflexo?
Não sei se vos acontece com frequência ou não, mas a mim, às vezes devagarinho, outras vezes se chofre, umas vezes em letras pequenas, outras num billboard de Picadilly Circus, ou de Times Square, aparece-me a frase
'Esta não é quem eu era para ser'
e essa frase dói. Dói como o raio. Ainda não percebi se o meu corpo o faz de propósito, mas eu ando assim bem dispostita, e a levar a vidinha tão bem quanto possível e de repente
'Esta não é quem eu era para ser'
e fico triste e vazia, e a sentir-me com as voltas trocadas, o chão foge e eu lembro-me de que tive sonhos e esperanças e que acreditei que as coisas iam ser... e agora dou por mim tantas vezes a não acreditar em nada. E sinto-me culpada porque
'Esta não é quem eu era para ser'
é responsabilidade minha, se não sou o que deveria ter sido, podia ser outra coisa que não deixaria de ser também alguém que não era para ser, para passar a ser outra, mas que hipoteticamente não me deixaria preso na garganta este pássaro de asas gigantescas, abertas, aflito para sair, que me deixa quase sem ar, mas que por muito que eu abra a boca, não sai de lá.
Às tantas cansa-se, e sossega, mete-se num cantinho, e cabeça debaixo das asas fechadas, e deixa-me também recuperar o fôlego e contar-me histórias em que sou uma mulher satisfeita 'QB' com a vida que lhe foi acontecendo, e deixa-me esboçar um sorriso, e fechar os olhos quando estou ao sol. E enquanto não acorda eu tento esquecer que
'Esta não é quem eu era para ser'
seja lá isso, "quem eu era para ser", o que for. Se é que tal coisa existe, porque ninguém é o que quer que seja de antemão. A vida faz-se, constrói-se, e eu terei feito as melhores omeletas do mundo com os ovos que me couberam. E olhando para trás, para os passos dados e o caminho percorrido, parece-me bem, assim a frio, que
'ESTA É A ÚNICA QUE EU PODERIA SER'
Só não me consigo desculpar, perdoar, entender, ter perdido o acesso a sonhar...
{Tenho um longo caminho a percorrer, a olhar para dentro.
Assim, dona Fátima Bento, não vamos lá. Ou por outra, até vamos mas esse pássaro vai continuar a arranhar a tua garganta com as pontas das asas de cada vez que acordar...
Já vai sendo tempo de fazer as pazes com quem sou de facto, e com o que me trouxe aqui}













