Perguntem a Sarah Gross - tanto, mas tanto...
Já disse e escrevi isto um sem número de vezes, e vou repetir-me: as unanimidades assustam-me. Não é bem assustar, é mais deixar-me 'de pulga atrás da orelha'... quais são as probabilidades de toda a gente gostar da mesma coisa?
Foi com esse espírito, o de 'vamos lá então ver isto...', que iniciei a obra que dá titulo a este post.
À segunda pagina interrompi a leitura - a minha e a do Victor, que anda enrolado com o Jo Nesbo - e afirmei: ráispartóhomem que escreve bem que se farta!
E continuei a leitura.
Devo dizer que, até uma nadinha mais de que o meio do livro, a coisa esteve tão em lume brando que e fez pensar no titulo daquela obra de Shakespeare "much ado about nothing", embora o nothing, neste caso, fosse um bocadinho mais de que nada. A escrita embalava, e eu deixava-me ir confortavelmente pendurada nas palavras de João Pinto Coelho.
E eis quando as coisas mudam quando Esther e Kimberly se encontram em 1969. A partir daqui o livro começa a parecer-me o que esperava, e em menos de nada ultrapassa tudo o que poderia imaginar. Não são os relatos, que já li umas quantas obras e vi uns quantos documentários que me apresentaram a verdade do nazismo, de Birknau e de Aushwitz... é a forma como o autor nos passa a informação, emocional e visualmente, porque é impossível ler e não sentir, não ver, não desesperar.
E é de ter sempre presente que, mesmo com retratos pungentes é inimaginável sequer ter a arrogância de pressupor 'fazer uma ideia' do que sentiram e como, de fato, viveram aqueles carimbados de üntermenschen.*
"Perguntem a Sarah Gross" é uma obra-prima. O autor tem curriculum que lhe permite saber do que fala, e tudo o mais, a que se junta um talento esmagador para a escrita, e uma capacidade de imprimir um tempo (ritmo, se preferirem), tão, mas tão perfeito, que agora estás a ver montras, e de repente cai-te um muro de betão em cima e deixas de te conseguir mexer. Essa é a melhor metáfora para o trabalho de JPC, que me ocorre.
Fabuloso? Definitivamente.
Obrigatório? Mais. Muito mais de que obrigatório.
Obrigado JPC. Duvido que quem ganhou o prémio LeYa tenha sequer conseguido chegar à sola dos pés deste livro.
*em tradução livre, sub-humanos