Bullying e outras violências
Mesmo agora li nos destaques um post sobre uma das séries do ano (até ao momento), Por 13 razões, que vi quando estreou, de duas penadas, e que mexeu comigo. Pensei em escrever sobre o assunto mas achei que faltaria qualquer coisa, e a mesma pede uma abordagem cuidada... depois entrei em reclusão, e não o fiz.
E agora estou aqui a escrever sobre uma das razões (transversal, de resto) que levaram Hanna, 17 anos, ao suicídio. O bullying.
Quase toda a gente, de uma forma ou outra passa por situações no secundário, que deixam marcas. Não, não nos formam (quando muito deformam...). E cada um reage à sua maneira, sendo que a grande maioria supera e seguem em frente, com maiores ou menores cicatrizes. Mas nunca indiferente.
Apontar o dedo a reações extremas como a da personagem principal da série/livro - principalmente depois de ver os 13+1 episódios da série - pode querer dizer uma mão cheia de coisas, nomeadamente mostrar uma incapacidade de empatizar com terceiros, ou ter passado - ou estar a passar - por situações similares e achar que, se eu aguento, ela também tinha de aguentar.
Infelizmente as coisas não são assim tão lineares.
Porque a vida das Hanna's desta vida não começa no primeiro episódio duma série, e o que se passa antes cria o contexto, conferindo-lhe uma pele mais ou menos fina, uma capacidade maior ou menor para lidar com as contingências de uma escola secundária, e da vida, de resto. Porque às vezes existem maiores ou menores patologias - ou mesmo apenas uma pequena falha na auto estima que se agiganta - que inferem uma reação mais intensa às pequenas coisas e qual jogo de espelhos, multiplicam o sofrimento ao infinito. E, muitas vezes, tornam o ato de continuar demasiado difícil.
Não estou a, nem quero falar da serie, não hoje, não aqui. Talvez um dia destes escreva sobre a mesma e há tanto a dizer sobre ela, desconstruí-la é um jogo fantástico, mas hoje não.
Hoje falo das vitimas de bullying. Das que se levantaram, sacodem e seguem em frente a fazer pressão sobre a ferida, até que esta não passe de uma marca indelével, e das que não o conseguem fazer. Das que deprimem, passam a ter ataques de ansiedade, das que mudam de escola uma, duas, três vezes, e para nada, das que ficam com fobia de multidões. Das que recolhem à concha, a trancam e deitam fora a chave e se recusam a voltar a sair de casa e pôr os pés na escola. Das que se deitam na cama e não se levantam mais, a não ser por motivos fisiológicos. Das que insistem, até que não podem mesmo mais e se atiram para baixo de um carro, ou tomam uma ou duas caixas de comprimidos dos pais, ou cortam os pulsos.
Nenhuma, NENHUMA dessas reações é reprovável, nem sinal de fraqueza. Cada um de nós tem o seu ponto de rutura, aquela linha traçada no chão que quando ultrapassada provoca reações inesperadas.
É triste e exasperante, frustrante, quando alguém se suicida. Não deve haver revolta maior para quem fica vivo, e que o que nos leva a gritar porquê. E para nos apaziguar os esqueletos que temos no armário, vomitamos uma sentença: cobardia.
Oh, o incómodo de alguém nos obrigar a olhar para o espelho da nossa vulnerabilidade, e que não, não somos super pessoas, não temos as costas assim tão largas para carregar este mundo e o outro. E assim, torna-se mais fácil apontar o dedo e dizer que o suicida era fraco e incapaz de lidar com o que tantos lidam. Como se fossemos todos exatamente iguais, clones uns dos outros, com os mesmos pontos fracos e fortes, e a dor que sentimos - tal como a que provocamos no outro - tenha precisamente os mesmos contornos, a mesma graduação, e tenhamos todos as mesmas armas a brandir no momento X pelo qual todos passam, da mesma forma.
O bullying é uma das formas mais abjetas de nos reduzirem - ou de reduzirmos o outro - até ao pó que se chega a sentir. O nada.
E não vou aqui pregar que só uma rede de amigos, só uma comunidade alerta pode ajudar, prevenir. Porque tantas vezes só sabemos tarde demais.
Não vou é suportar nunca que se diga que o bullying tem de ser superado e que o suicídio é cobardia.
Porque garanto que quem fala assim não sabe do que fala.