O primeiro dia de trabalho é uma tortura. Pareço um zombie, duplico ou triplico a minha dose habitual de cafeína e às vezes tenho a certeza absoluta, mas sem qualquer dúvida, que estão a falar comigo num dialeto alienígena, porque não consigo reconhecer uma palavra que seja. Passo a manhã entre a secretária e a máquina de café, na secretária movo o rato e abro um documento; fico a olhar para ele e a martelar nas teclas ao calhas, sem saber muito bem porquê. Abro a caixa de entrada dos emails e tenho uma coisinha má com a quantidade de emails acumulados. É que preciso MESMO de um café para abrir o primeiro.
De turbo (re)ligado, abro os emails às mão cheias, é que sou uma máquina de eficiência! E eis que está mesmo, mesmo, mesmo quase na hora de almoço. Olho para o monitor, a lista de emails por abrir diminuiu significativamente! Palmadinha nas costas, linda! Fecho a caixa de correio e o explorador... e eis que está ali um email. Carrego para fechar. E outro... e outro...
Quando fecho o último (a que entretanto recordei nem ter respondido, nem encaminhado - é que nem a um!), parece-me que os colegas devem estar a voltar do almoço. Mas felizmente é só impressão minha.
Desço ao restaurante de menus económicos (mas vocês ACHAM que eu preparei marmita? Para HOJE?) e até acompanho a refeição com um copo de vinho branco, porque, caramba, eu mereço!
De regresso ao escritório descubro que há uma reunião de condomínio à volta da máquina de café. Ah não, está tudo bem disposto... estão só a tomar o liquido castanho (cujo cheiro me começa a deixar o estômago inquieto) em matilha... perdão, em grupo. Tiro um, e enquanto respondo ao jeitoso do gabinete do fundo como foram as férias, recordo de sopetão a calamidade dos emails, engulo o café e desando para a secretária, onde o chefe deixou uma pilha de pastas - como se eu conseguisse dar andamento àquilo hoje!?!
Ataco a caixa de correio eletrónico. Respondo a um, a dois, envio outro para o departamento correto e... o monitor começa a ficar em cinemascope (sabem aquelas duas barras escuras, uma em cima, outra em baixo?) e o écran vai ficando cada vez mais estreito... até que a colega do lado me dá duas batidas no vidro separador e me apercebo que o monitor está normal, os olhos é que fechavam.
Queres ir tomar café?
Mas esta gente hoje não sabe dizer/fazer outra coisa??? Pensando bem, se não engulo mais uma dose, adormeço sobre o teclado... com o sorriso menos amarelo que consigo alinhavar aceito, e lá vamos nós... antes pego no porta moedas e enquanto ela carrega no botão e espera que o liquido saia, eu vou à maquina de vending e tiro a coisa com mais açucar e calorias que encontro, a ver se ajuda a acordar... pensando bem, é melhor levar dois pacotes.
Seguro o vómito enquanto engulo o café - e tenho para mim que a minha companheira de desgraça também faz o mesmo. Merecíamos um prémio por conseguirmos ingeri-lo sem apertar o nariz. Ela pede-me moedas para ir aos doces e tirar uma garrafa de agua para limpar o palato.
Partilhamos o conteúdo da garrafa, mas o sabor a café não sai.
Voltamos cada uma à sua secretária. A pilha de documentos parece-me agora maior, e nem consigo olhar para o pequeno envelope que identifica a caixa de emails.
Mas nem tudo pode ser mau, penso. Daqui a pr'aí hora e meia devo estar a sair! Olho para o relógio para confirmar: 'tá bem abelha. 118,75 minutos, é o que ainda tenho de aguentar!
Olho para o monitor, e os carateres desandam animadamente a encenar danças de salão; esfrego os olhos enquanto admiro o vestido que a letra K está a vestir - e fico com olhos de panda, claro.
Desisto, vou fazer um xixizinho.
Chegada à casa de banho sento-me no sanitário e encosto a cabeça aos azulejos. Deixo os olhos fecharem ... é só um bocadinho... e BUM, bate a porta da casa de banho; ao mesmo tempo salto do sanitário assustada e saio disparada em direçao aos lavatórios. As colegas entram nos cubículos e passo agua no rosto misturando a vontade de chorar com a de vomitar, que já perdi a conta aos cafés que bebi e só de pensar nisso... segura, mulher, segura!
Volto à secretária, com ar de quem vem de uma batalha. Para melhorar a coisa surge o chefe. Olha a pilha de processos, intacta, e dirige a atenção para mim.
A menina não terá apanhado uma virose nas férias?
Ao invés de lhe responder que quem apanhou a virose foi a mãe dele, apanho a oportunidade no ar e digo-lhe: realmente, agora que fala nisso, não me tenho sentido muito bem nos últimos dias... coloca-me a mão no ombro e diz-me carinhosamente(?) é melhor ir para casa descansar, amanhã estará melhor - e além disso não queremos passar o virus aos colegas!
Agarro na carteira ao mesmo tempo que desligo o pc, e preparo-me para me dirigir à saída. Olho à minha volta para gozar a minha pequena vitória... e a sala está vazia! Olho para o relógio e passam 5 minutos da hora da saída.
Ninguém merece...
(é que seria mesmo, MESMO assim!)