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E foram direto ao assunto; pois que não gostavam da jovem, que ela não parecia ter perfil para o "cargo que ocupava". Quando perguntei em que se baseavam para ter tal opinião, responderam que quando ela abrira a porta estava muito maquilhada, e que que boca com batom vermelho não beija meninos.
Remoques desapropriados a respeito de batons vermelhos não são - de todo - de agora. Lembrei-me há pouco, por alguém se ter referido a trabalhar tendo a solidão por companhia, de que há anos - mais precisamente vinte e três - por ter acabado a licença de parto do meu segundo filho e não estar preparada para o deixar, ter decidido criar o meu emprego.
Tínhamos comprado casa, feito a mudança, e aproveitei para transformar a casa em que vivêramos por forma a montar um berçário. Distribuí anúncios, e paginas tantas fui contactada por uma IPSS para trabalhar como ama. Aceitei. Fiquei então com quatro bebés a cargo mais o Tomás.
Nos primeiros meses a coisa correu bem, havia a adrenalina de estar a trabalhar por conta própria e ter os meus filhos comigo - a escola da Inez ficava praticamente do outro lado da rua. Mas aos poucos comecei a ficar assoberbada. Note-se, eram cinco bebés: dá biberão, muda fralda, põe na espreguiçadeira, vai embalando, põe na caminha, e repete. Das 7:00h às 19:00h, em dia bom - dias houve em que foi até às 21:00h. Sem ter com quem falar a não ser com os bebés, que obviamente não faziam conversa.
Ou a minha filha, que tinha 6 anos...
Quando o marido chegava do trabalho, levava os meus dois para casa, e eu ficava à espera da hora em que os pais vinham buscar ou outros quatro.
Estando eu neste estado - e sendo um dos bebés a meu cargo filho de um toxicodependente em recuperação, o que contribuía para que ele chorasse durante TODO o tempo (às vezes ele chorava no berço e eu no hall de entrada, encostada à porta do quarto de dormir) - contratei uma ajuda em part time, umas poucas horas por dia. Serviria para me ajudar e até mesmo eu conseguir sair um pouco - mais não fosse para tomar um café, já que ainda não existiam máquinas de cápsulas. A situação emocional em que me encontrava era de tal ordem que pagava à moça quase metade do que eu recebia (que, como devem calcular, era uma fortuna - #sóquenão), o que fazia que, depois de pagar as contas de água, luz e gás restasse uma ninharia.
Ora uma das contrapartidas de trabalhar com a IPSS era receber visitas surpresa de duas assistentes sociais. Tinha-as informado quando tinha sentido necessidade de contratar ajuda, coisa que não as deixou particularmente entusiasmadas, e um dia elas tocaram à porta e a Carina atendeu. O ar de desagrado de ambas não me passou despercebido.
Na visita seguinte, escolheram uma hora em que, sabiam, eu estaria só.
E foram direto ao assunto; pois que não gostavam da jovem, que ela não parecia ter perfil para o "cargo que ocupava". Quando perguntei em que se baseavam para ter tal opinião, responderam que quando ela abrira a porta estava muito maquilhada, e que boca com batom vermelho não beija meninos.
A resposta até hoje me persegue, palavra por palavra. Para além da da maquilhagem, não tive dúvida que havia outro preconceito que subsistiria mesmo que a Carina estivesse de cara lavada: a cor da sua pele.
Para encurtar a história, ainda segurei a moça mais uns tempos, mas cedi, depois acabei por queimar os fusíveis com o isolamento e finalmente fechei o berçário. A seu tempo, vendemos a casa que compráramos, e voltamos a viver no espaço do antigo berçário.
Isto tudo para dizer que não foi o outro senhor que descobriu a pólvora com a história do batom vermelho, ou da classificação indiscriminada de "bandidagem" baseando-se apenas na cor da pele.
Sempre houve gente pequenina, preconceituosa e racista.
Infelizmente estamos perigosamente perto disto se tornar o novo normal.
Isto, claro, #setudeixares