Um dia de verão como outro qualquer. Sentada na esplanada, quase no final da "pedovia", mexo o meu café e observo o rio Judeu. Pequenos barcos à vela fazem adivinhar que haja hoje uma regata, provavelmente entre as ANS e a ANA, as associações navais/náuticas dos dois lados do rio e, quiçá, mais outras convidadas. O sol bate na água, sopra uma brisa quase invisível, que serve apenas para não nos sentirmos assoberbados com o calor. Na mesa ao lado, um casal comenta em francês, a paz que o local os faz sentir. Levo a chávena aos lábios enquanto, fechando os olhos, invoco as recordações de uma vida passada nestas paragens e sorrio. Nunca quis morar noutro local que não aqui, desde que me lembro de ser gente que me espanto com este azul.
Pessoas em roupa desportiva passam à minha frente, prestes a chegar ao final da pista forrada a piso táctil de borracha, prontas para inverter a marcha a 180º e continuar o seu exercício.
É nesta altura que chega a minha amiga, mesmo a tempo de acabar a minha água e nos dirigirmos ao restaurante onde reservei mesa, ali mesmo ao pé, nas antigas instalações da antiga corticeira Mundet. Entramos naquele que foi o refeitório daquela unidade fabril, em tempos a maior do país, transformado agora em restaurante de autor. Senta-mo-nos numa mesa e sei que a sua base é original de tempos idos em que a minha avó, e outras quase cinco mil mulheres, ali comiam no intervalo do trabalho. Os olhos passeiam pela decoração, satisfeitos com tantos pormenores claramente recuperados de antanho, em que até os pequenos mochos, onde as operárias se sentavam, são expostos como arte.
Mas mal temos tempo para acabar o café com calma: está quase na hora de fazermos o nosso passeio a bordo do varino Amoroso, a embarcação tradicional recuperada que faz passeios turísticos no rio.
Estamos no cais de embarque, falta pouco para as 14:30h, hora marcada para o passeio em que nos inscrevi. Entramos no barco a par com pouco mais de uma dezena de participantes, e à hora marcada a embarcação parte. A meio do percurso, já no Tejo, os motores são desligados e a vela içada; navegamos, então à bolina e o silêncio abate-se sobre o grupo, ninguém se atrevendo a interromper a paz e quietude. O rio é um espelho e todos estão de telemóvel na mão, filmando ou fotografando, a ausência de obturadores e do seu som característico, não perturbando o momento. Passamos perto do cais do Barreiro e são ligados de novo os motores, sendo invertido o sentido de marcha. Sensivelmente noventa minutos depois de termos embarcado aportamos no local de onde partimos, e pouco tempo depois os nossos pés voltam a pisar a tijoleira de terracota que atapeta o passeio ribeirinho.
Sem pressa, percorremos o passeio e passamos em frente ao cacilheiro recuperado e transformado em restaurante, Lisboa à Vista. Seguimos calmamente junto ao rio, e chegamos por fim ao último espaço que planeei mostrar à minha amiga hoje. A Quinta da Fidalga, antigo Vale do Grou, espera-nos de portão aberto e passeamos tranquilamente pelos seus jardins, prestando atenção particular ao Jardim de Buxo e ao Lago de Maré, que tem 30m de comprimento e três de profundidade, sendo considerado um elemento raro de arquitetura hidráulica no nosso país.
À saída o palacete pede-nos para entrar e nos deleitarmos com os azulejos do SEC XVIII que embelezam as suas paredes, mas debalde, uma vez que o mesmo não se encontra aberto ao público. No entanto conto à minha amiga que há pouco tempo saiu no jornal municipal a noticia de que o mesmo a ser transformado num hotel de charme, pelo que, quem sabe em breve ela não poderá passar a noite num dos quartos seculares? Com um sorriso no rosto dirigi-mo-nos ao restaurante Tapas ao Rio, nas traseiras do palacete, e senta-mo-nos numa das mesas da esplanada, o local perfeito para darmos o nosso passeio por terminado.
Brindamos com um rosé gelado, enquanto esperamos que nos tragam as tapas escolhidas, e comentamos o tanto que não vimos. Acabamos por combinar repetir o passeio em breve, desta vez sem marcações, ao sabor do momento. Para ver temos, por exemplo, o parque urbano e tantas praias a meia hora de distância.
Coisas a fazer, aqui, não faltam.
Voltamos a brindar, a coisas boas no nosso futuro e aproveitamos para saborear uma tarde que se estenderia noite dentro, não fora escurecer tão tarde.
Do desafio "sonhamos ir por aí" da Cristina Aveiro
com a participação de Cristina Aveiro, Peixa, Concha, A 3ª Face, Maria Araújo, Imsilva, Luísa De Sousa, Maria, José da Xâ, Rute Justino, Ana D., Célia, Charneca Em Flor, Gorduchita, Miss Lollipop, Ana Mestre, Ana de Deus, e bii yue.
- As fotos acima são, as duas primeiras da minha autoria, e as restantes devo agradecer à Câmara Municipal do Seixal