Sempre gostara de cor de rosa. Objetos rosa, roupa rosa, sapatilhas rosa... na escola chamavam-lhe Rosa, não por ser o seu nome, mas por tudo o que a rodeava ser dessa cor. Vivia uma vida que pintava de cor de rosa, e via-a através de óculos com lentes da mesma cor. Naquela manhã, no caminho para o colégio, fez um desvio e dirigiu-se para o bosque que ficava por detrás do Centro Comercial do Concelho. Não era a primeira vez que ali se dirigia, embora ninguém soubesse que (...)
Entrei no carro e apertei o cinto. Acendi as luzes, liguei a ignição e fiz-me ao caminho. A noite estava silenciosa e sentia-me o único na estrada, pesava-me a solidão. Passei por alto as estações de rádio, uma após outra, buscando algo que me fizesse companhia e só encontrei música. Cansado de procurar, deixei o habitáculo encher-se com melancolia. Fazes-me falta. Não sei quando me apercebi disso mas a verdade é que me fazes falta, e tenho de ser honesto comigo. Todo o (...)
Todos conheciam a casa que se erguia a cerca de quinhentos metros dos limites da povoação. O exterior era lamentável: no jardim cresciam ervas daninhas que, em determinados lugares, chegavam à cintura de um adulto. A pequena escada que dava acesso ao alpendre tinha os restos mortais de um corrimão pendurados do lado direito, e o chão tinha buracos que constatavam que a madeira tinha apodrecido. Encostados à parede, onde grandes lascas de tinta descascada deixavam à mostra os (...)
Amava-o desde que me lembrava de ser alguém. Ainda na escola recordava ficar a vê-lo ao longe, e a sonhar como seria se ele gostasse de mim. Sentia um alvoroço quando estava perto, o estômago era um frasco de borboletas imperador, que batiam as suas asas de azul forte contra o vidro. E nas férias passava horas na janela do meu quarto a olhar para a varanda da sua casa, aguardando ansiosamente que este surgisse e fosse possível, finalmente, vislumbrar o objeto do meu encantamento. (...)
Desafio caixa de lápis de cor, semana #4 - verde escuro
Nada afastava a sensação de ter estado ali antes. Ela lembrava-se claramente de dedilhar aquelas teclas num frenesi, de tocar com exaltação uma e outra obra, como se a musica brotasse de dentro de si numa torrente incessante. No entanto não sabia tocar piano. Mareavam há dois dias e, segundo o programa, levariam pouco mais de 24 horas até aportar. O vapor cumpria todos os requisitos anunciados na brochura, e sentia-se tão relaxado quanto lhe era possível, rodeado de (...)
O fumo negro erguia-se em espirais, naquela noite sem vento, seguindo para além do que os seus olhos abarcavam, numa dança infinita de sombras. Deixou-se ficar sentado debaixo da única árvore, a uma distancia mais que segura desde que as labaredas começaram a devorar o casebre, até o fumo se extinguir. Levantou-se sem pressa, e tomou o caminho de casa devagar, pontapeando as pedras que encontrava no caminho, distraidamente, perdido nos seus pensamentos. Houvera sido o seu (...)
Olhei pela janela para a bátega que caia sobre as árvores, e dei um gole, sentindo o liquido quente e reconfortante escorregar pela garganta. Brinquei com a colher, colocando-a dentro da chávena mal a pousei, e retomei o tique de mexer o café. A forma como pegavas no cigarro e o levavas aos lábios, sabia o tempo exato até expelires o fumo, devagar, enquanto rodavas a ponta do cigarro no cinzeiro deixando-a como um lápis bem afiado. As tuas coisas, os teus momentos, os teus (...)
Nunca gostara que olhassem para ela. Fotos para documentos eram um suplicio, queria desesperadamente misturar-se com o neutro pano de fundo. Ficava sempre com cara de poucos amigos, sem sombra de sorriso, e mesmo não sendo uma pessoa de gargalhada facil, quem a conhecia de perto - mesmo perto! - via-a sorrir e rir apenas de quando em vez. E se poucas vezes o fazia, cicatrizes que a vida lhe deixara impediam-na de sentir uma maior alegria. Começara talvez antes, mas recordava que (...)
Um tema como o desta semana empurra-nos para a violência domestica. Amor e um estalo. E então algumas cabeças mais ou menos pensadoras resolvem começar a tentar dar a volta ao titulo, e falar de uma coisa completamente diferente. Podia falar do amor com que o meu gato dorme enrolado ao meu corpo, e a forma abrupta com que me acorda quando acha que está na hora de eu sair da cama? Sim se umas dentadas fossem equivalentes a um estalo. Podia falar de todas as estaladas que (...)