Baloiço
Desafio arte e inspiração - semana #6
Era Verão. Era sempre Verão ali, o que tornava o lugar ainda mais mágico.
Saía do carro e o cheiro a pinho, que os tinha acompanhado durante a maior parte da viagem, falta muito, pai, falta muito, pai?, era substituído pelo cheiro a palha ao sol, aquele aroma meio a queimado, seco. Havia sempre dois braços à espera para a apertar, uma tia que chorava de emoção, um avô de olhos vermelhos que apertava a mão do pai, meio solenemente, com um sorriso que desmontava a intenção. Ela saltitava de emoção e perguntava vamos avô?, vamos avô?, sem parar. Repreendida pelos mais velhos, caramba ainda agora chegámos e já estás nisso, vamos levar as malas para cima, comer qualquer coisa e depois quando o avô puder, lá irão!, mas ela não tinha calma nem paciência, de resto como nenhuma criança de seis anos tem, e olhava para o avô com olhos de cachorrinho abandonado. Mal os pais começavam a levar a tralha que enchia o porta bagagens para dentro, o avô piscava-lhe o olho, ela enfiava a sua mãozinha na mão grande e calejada do ancião, e ambos dirigiam-se para a loja da casa. Ali, cuidadosamente escolhida estava uma tábua de madeira que o avô aplainara e encerara por forma a não haver lascas para se espetarem nas mãos pequeninas. Vá, ajuda o avô, segura aí nessa ponta e faz força para ela não escapar, e com uma grande púa, ela sabia, o nome vinha no livro de leitura da primeira classe!, o avô abria dois buracos redondinhos, um de cada lado. Depois agarrava na grossa corda, e ela insistia em levar a tábua, desajeitada, a escorregar meia dúzia de vezes durante o trajeto, eu consigo, avô, eu consigo, até à árvore que ficava junto à eira, por detrás da casa, e que tinha um braço estendido a apontar para esta, mesmo a pedir que passassem a corda por este e ali montassem o almejado baloiço. E ela observava, deslumbrada, o prender da corda, o passar pelos buracos, e a corda de novo presa, paralela à primeira. Em pulgas, ainda tinha de esperar o avô experimentar, com o seu peso, a segurança das amarras, e depois sim, depois ela podia ali sentar-se e voar.
Era ali que passava os dias. Ás vezes acompanhava a tia e o avô às quintas, para onde iam na carroça puxada pela mula, ela sentada ao lado do condutor, a tia atrás, pernas penduradas, os três a darem pequenos saltos de cada vez que uma das rodas passava sobre uma pedra maior, ou um buraco, e ali chegados, corria por entre as grandes espigas de milho, e fazia a tia andar num virote a cada grito que dava, menina da cidade com medo de todos os insetos, e pavor de louva-a-deus. A meio do trabalho sentavam-se à sombra, de volta da merenda, para carregar baterias e voltar ao trabalho ou à brincadeira, à correria...
Mas do que mais lembra é do baloiço, daquele vai vem infinito que lhe sabia a liberdade, naquela que ela, ainda hoje, adulta feita, considera a "sua" árvore, que fez a sua infância ali, tão feliz.
No desafio Arte e Inspiração, participam Ana D., Ana de Deus, Ana Mestre, bii yue, Bruno Everdosa, Célia, Charneca Em Flor, Cristina Aveiro, Imsilva, João-Afonso Machado, José da Xã, Luísa De Sousa, Maria, Maria Araújo, Mia, Olga, Peixe Frito, Sam ao Luar, SetePartidas
Para referencia, esta foi a obra que serviu de inspiração ao texto desta semana
Sobreiro, Dom Carlos de Bragança/Malhoa
Amanhã apresentarei aqui o quadro que servirá de inspiração aos textos da próxima semana. Não se esqueçam de passar, e deixar o que vos passar pela cabeça lá em baixo, nos cometários.