Carta aberta à minha filha
que faz hoje 31 anos.
Há precisamente 31 anos, vias a luz pela primeira vez.
E como naqueles tempos as coisas eram diferentes, após teres estado uns segundos nos meus braços a choramingar, levaram-te para o berçário e só te trouxeram três ou quatro horas depois, tempo durante o qual eu perguntei por ti a todas as enfermeiras e auxiliares que passaram por mim, numa aflição desmedida, onde estavas. se estavas bem, quando é que poderia estar contigo...
E depois trouxeram-te, colocaram-te na maca, entre os meus joelhos e levaram-nos para o quarto, onde finalmente te puseram no meu colo e eu pude aproximar o meu mamilo na tua boquinha e maravilhar-me com a naturalidade com que começaste a mamar.
Foi o inicio de tudo.
E embora saiba que não vais ler isto, preciso de o escrever, de agarrar nos pensamentos que se encontram espalhados em balões de banda desenhada suspensos cá dentro, e dizer-te.
Durante tantos meses persegui obsessivamente o porquê?: tudo, ou quase tudo deixou de fazer sentido a partir de 23 de agosto. O mundo parou quando ouvi a tua voz, e o que ela disse. E a partir daí andei afincadamente atrás do Santo Graal da tua verdade, daquela explicação que faria tudo fazer (algum) sentido. Debalde. Desgastei-me, envelheci, adoeci, desci tantas vezes ao fundo dos fundos do poço e cheguei a tentar não voltar a sair... mas a verdade é que ainda estamos aqui. Os dois.
E então hoje, 256 dias depois de nos bloqueares em todas as frentes - redes sociais, e tudo o resto - e 123 dias depois de me impedires formalmente de ver a minha única filha casar, posso dizer-te que tomei uma decisão: resolvi deixar cair.
Então eu, que acredito em muito pouco, resolvi acreditar que tudo acontece por uma razão. E aceitando que nunca saberei a razão porque esse tudo aconteceu, fico em paz com o passado e reinicio o meu percurso, certa e segura que não sou e nunca voltarei a ser a pessoa que fui, mas com o maior respeito, quiçá alguma admiração, por aquela que sou hoje.
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