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Porque Eu Posso 2.0

... e 'mái nada!

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29 Set, 2021

Desespero

Desafio arte e inspiração - semana #3

 

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Estendeu-se no chão e deixou-se ficar imóvel, deitada de costas e com os olhos fechados.

 

Depois da porta da rua finalmente fechada, depois da violência verbal e terror emocional finalmente afastados, sem ter sequer tempo para digerir a perda, que o foi, que o é, e que será sempre, chega o inimaginável: um clip de voz da outra filha com raiva mal disfarçada e argumentos impossíveis de rebater ou argumentar porque o final da mensagem foi e agora vou bloquear-vos a ambos, porque não quero voltar a falar convosco.

 

Aquela mensagem ressoava nos seus ouvidos em loop numa confusão cada vez maior, num sem número de questões levantadas e não respondidas, enigma que não havia como resolver. E a dor insinuou-se e substituiu a estupefação, e ela começou a sentir que o seu útero secava, se amachucava com o som que fazem as folhas secas caídas das árvores no Outono. 

 

Entendeu que tinha deixado de ser. Quando eles decidiram que não queriam continuar a ser, ou agir, como seus filhos, ela esfumou-se no ar, inexistiu. Num mícron de tempo recuou trinta anos e tudo o que tinha sido durante esse tempo, aquilo a que se tinha dedicado, tinha apenas sido ser mãe. Em exclusivo (e atentem na ironia, achava que tinha desempenhado magnificamente esse papel, por ter dado sempre tudo o que podia de si).  E agora já não era e criara-se um imenso vazio de trinta anos que a transforma na sombra de um ponto de interrogação gigante.

 

E o pranto desatou-se, e urrou de dor a abandono, enrolada em posição fetal, ainda no chão, e soluçou, soçobrou à dor da perda até os olhos não terem mais nada para deitar e a garganta se fechar.

 

De rescaldo, nos braços do marido que a envolvera na proteção e partilha daquela dor incomensurável, perguntou:

 

-  Como é que se faz o luto de duas pessoas vivas? Como? 

 

E deixou-se ficar inerte, sem forças, nem desejo de as (voltar a) ter.

 

No desafio Arte e Inspiração, participam  Ana de DeusAna Mestrebii yue, Bruno EverdosaCélia, Charneca Em FlorCristina AveiroImsilvaJoão-Afonso MachadoJosé da XãLuísa De Sousa, MariaMaria AraújoMiaOlgaPeixe FritoSam ao LuarSetePartidas

 

Para referencia, esta foi a obra que serviu de inspiração aos textos desta semana 

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 "O Grito", de Edvard Munch

 

Amanhã, aqui, será revelado o quadro para a próxima semana. Não se esqueçam de passar por cá e deixar a vossa primeira palavra...

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