Here's... Ippo!
"...soubessem o que eu gosto deste menino!"
É o meu príncipe prateado, nickname dado pela minha filha. E quem lhe deu o nome Ippo foi o irmão.
Houve, durante uns anos, uma colónia de gatos nas traseiras de minha casa. Moro num primeiro andar e estando o rés do chão por baixo vago e havendo bastantes plantas, os gatinhos sentiam-se seguros. Para além disso, por baixo da janela da minha cozinha (e da do quarto do meu filho), existe um avançado - coisa fantástica para estender lençóis e demais peças grandes, nem vos conto... - desde a construção do prédio, penso. Ali os alimentava e dava mimos verbais, e foram ficando até serem nove mais os amigos que vinham de vez em quando.
Ora a progenitora dos oito - duas ninhadas - teve a última ninhada, há quase três anos. Quatro gatinhos, dois tigrados, um preto e um branco. Todo branco.
- e eu que nem gostava assim muito de gatos brancos.
Passado um mês de a mãe os trazer e colocar no pátio, começaram a subir, a medo, para comer quando servia patê à colónia. Mas o branco ficava lá em baixo. Eu tentava fazer pontaria e de vez em quando conseguia atirar uns pedacinhos para lá, e ele comia com vontade, quando os conseguia encontrar. Portanto, tinha fome. Com o meu ocasional mau feitio, vaticinei que o que tinha era preguiça... e uma manhã cheguei à janela e estavam os quatro cá em cima. Finalmente, pensei, a fome falou mais alto! Olhei bem para ele, e foi claro: o bichinho era cego. O coração afundou-se-me no peito (não estou a exagerar, fiquei mesmo impressionada...). E quando mais tarde o vi a subir pela árvore que todos usavam para chegar cá acima, e os irmãos a empurrá-lo, a decisão estava tomada: se não viesse cá para casa, não sobrevivia. Liguei para o marido, num alvoroço, e antes de lhe dizer que o queria trazer, ele disse vê se o consegues apanhar... (e depois há quem se admire por estarmos casados há 27 anos...). Pedi ajuda, e a filha da minha vizinha, mais uma amiga, foram ao quintal para o apanhar. Assustaram-se com o bufar assustado do bichinho e acabou por ser a mãe que o foi buscar - acho que tem uma cicatriz até hoje, veio mas deu luta...
Quando mo entregaram estava em estado de choque, não se mexeu durante meia hora...
Levei-o à veterinária que confirmou que sofria de glaucoma, uma vista não via nada (o olhinho direito, enorme), e a outra via apenas sombras e contornos. E não houve melhoras.
Hoje passaram já quase três anos. O Ippo está enorme e, embora tenha perdido completamente a vista, já só divisando sombras, é um gatinho muito, muito feliz. É vê-lo, de vez em quando, a trotar na ponta das patinhas casa fora, cauda esticada. Adora estar no parapeito da janela do quarto do Tomás e recebe a visita de dois gatinhos - uma menina igual a ele, olhinhos azuis, filha da mesma mãe, de uma ninhada anterior e, disse-me meu filho há pouco tempo, um menino também igual a ele, obviamente de olhos azuis como seriam os do Piu*. Faz parcour no corredor - vem a correr, salta, coloca as quatro patinhas na parede impulsiona-se e volta ao chão, e continua a correr. E é a minha vez de fazer de cheerleader e cantar a cantilena do costume - o que faz toda a gente rir e que o deixa tão contente, que se vê! No entanto isso vai acontecendo mais de vez em quando, está grande e pesado e deve ser mais dificil... agora são maisas vezes que se põe de pé junto à parede. bracinhos esticados e orelhas para trás à espera de me ouvir, e desata a correr. Anda lá perto e cansa-se menos...
É o meu menino. Que ninguém me pergunte de qual gosto mais, que isto é como perguntarem de qual filho gostamos mais (lamento se acham que exagero, mas tenho também dois filhos, e posso garantir que sinto estes como meus filhos de quatro patas); gosto de todos. Mas como com os filhos, gostamos de maneira diferente, e este menino e eu cimentámos a nossa relação logo nos primeiros dias em que cá esteve - tinha um mês e meio, e eu não dormi durante as primeiras duas semanas. Se todos eles amuarem e não me ligarem durante umas horas, o que meu dói mais é o Ippo.
O coração tem razões...
Como costumo dizer, de vez em quando,
...soubessem o que eu gosto deste menino!
*comecei a chamar-lhe Pipiu porque ele não miava... piava. Fazia um piu muito agudo - começou por, sendo o mesmo principio das baleias e dos morcegos (tipo sonar), servir para antever obstáculos. Depois passou a ser um "está aí alguém?" que se mantém até hoje, mas agora já é miau. E obtém sempre resposta.