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Porque Eu Posso 2.0

... e 'mái nada!

Porque Eu Posso 2.0

... e 'mái nada!

22 Jan, 2016

Luto (repost)

Faleceu o pai do meu melhor amigo, de um amigo que é muito mais que um amigo, que é uma das pessoas que mais gosto no mundo e arredores. Faleceu, e há dois dias que não durmo, reminiscência que me chamou atrás, que me recordou do ocorrido há dois anos e uns meses, do ferro em brasa que ainda queima.

Neste momento há um abraço apertado por dar, um 'eu sei que tu sabes que eu sei' que não se diz mas se sente, um imenso vazio de palavras,porque não as há. Só há o sentir, deixou de haver o que dizer.

Por isso, o repost do post luto, escrito a 26 de Setembro de 2013. Porque há coisas que se sentem e são. Apenas são.

"Liguei a musica porque no dia seguinte também a pus a tocar mal saí da cama e aterrei no sofá. Carlos do Carmo a compasso de Bernardo Sassetti, e servirem de bálsamo à ferida aberta. A manhã foi escorrendo devagar pelo vidro da janela, como se dia de chuva fosse, ao contrário do sol resplandecente que ofuscava. As interrupções faziam-se com alguma reverência, nos sons do facebook que traziam amigos desolados sem saber muito bem o que dizer, por isso a usar as palavras que se usam sempre nestas alturas, e eu a carregar na tecla a responder que gosto, parca nos gestos e ausente nas palavras que despejava para dentro do telefone quando tocava, e não se contentava com um like nem  um obrigada. Queria pormenores, os que eu tinha e os que não tinha e de tanto repetir acabei por decorar. Aos mais próximos, alguns detalhes, daqueles que dão algum sentido ao intangível. 

Uma malaise escondida debaixo de sete saias, quiçá setenta, mantida em rédea curta durante todo aquele tempo em que os homens que querem dizer o que fazer com quem amamos e quando, a isso obrigaram. 

Depois o momento em que adeus, já não voltas, não foste, estás sempre aqui. E o som. Pás. pás, pás, anúncio numerário do final, a placa de metal espetada como um rótulo num vaso de coentros a a dizer que o é. Assim. Sem mais.

Beijos, frases feitas, abraços apertados de gente próxima, outros beijos de outra gente que comparece, outros que só apertam a mão, num respeito a tresandar ao nojo que a ausência de calor humano descobre pelas frinchas dos fatos bem cozidos, por mãos hábeis, mas que deixam escapar alinhavos mal tirados. O sorriso pintado no rosto, mais ou menos convincente (que mo digam se quiserem) a tapar a dor com uma dose extra de base corretora.

O alívio, laivos de êxtase e euforia, que afinal acabou-se, passados que foram cinco longos séculos de agonia à espera da notícia de que o fim da novela estava ao virar da esquina, cinco décadas em que o relógio de pêndulo se calou, mas o telefone e o blip do computador estiveram presentes, assim como que a lembrar os cinco anos que não passavam, não mexiam, não davam mostras de um fim anunciado que não chegava por nada. Cinco dias em que não acredito, passados naquela tranquilidade montada peça a peça numa torre de legos, numa dormência calculada, à prova dos deslizes não admitidos, nas lágrimas obrigatoriamente inexistentes, num assepticismo tanto quanto possível.

Já passaram, entretanto vinte. Vinte décimos de segundo, vinte segundos, minutos, horas, dias, o quê? Passaram, pronto. E a sua passagem deixou abrir a fissura que se desenhava no estômago, dar-se ares ulcerinos, dar-se chicotadas de raiva, de revolta, coices de dor mascarada de desespero. E uma sozinhez iniciada e finda dentro, nunca finita, que afinal, parece, é com isto que é suposto aprender a viver. Só não nos ensinam como.

E as lágrimas que teimam em não cair, que teimam em não me desenhar arabescos nas bochechas, e me deixam a sentir pequenina, não de idade mas de tamanho, na incapacidade obvia de saber como lidar com tudo isto, e quando respondo 'Tudo!' de sorriso rasgado à pergunta, tudo bem? de quem comigo se cruza, e não sabe, não faz ideia que aquelas duas palavrinhas se enfiam de sopetão na hérnia que se me criou no meio do corpo, e a que o ponto de interrogação faz rodarem sobre si próprias numa dor que tem o seu apogeu na resposta e no sorriso que os finaliza.

Viro costas e dói, dói tudo cá por dentro, a revolta agiganta-se, como, como, como é que pode estar tudo bem sorriso no rosto, desmascarado pelo olhar perdido na dor que não sai, que não se expressa.

Se calhar, vinte dias (? anos, séculos, milénios...) são um prazo expectável para começar a sair da letargia que ninguém me adivinhou, nem sequer sabe se.

Se calhar estes vinte nem-sei-quantos, mas que são vinte são contados de todas as maneiras, seja expectável serem o sinal de partida não sei para onde.

Se calhar há que esperar que o ponto tenha sido final, e como, senhores, como?

Se calhar há que esperar que eu esteja preparada para largar ao disparo de partida em direção não sei de quê.

Se calhar..."