Porque já chega.
Não nasci para engolir hipocrisias ao pequeno almoço - nem, de resto, ao almoço ou ao jantar.
Não tenho fação política de escolha e quanto a ideologias, peco por ser 'utópica ma non troppo' - o que eu penso e o que me faz correr, mexer, e como eu gosto que esteja estruturado o mundo em que vivo são coisas que não batem certo, bota com perdigota. Sou, não sei por quanto tempo mais, uma orgulhosa resistente da 'classe média' - a tal em vias de extinção. Não gosto do alastramento desmesurado da classe baixa, nem da existência da 'baixissima', mais vulgarmente conhecida por pobreza, que cresce a olhos vistos. Incomoda-me a fome, os pedidos de ajuda que não posso acudir, o desespero nos olhares. Vejo da minha janela o desumanizado vasculhar nos contentores do lixo em plena luz do dia e sem vergonha, porque, como se diz, quem tem vergonha passa fome. Quem a vai perdendo também. E quem chega a perder qualquer réstia de orgulho a ponto de não abranger já o sentido de humilhação de catar sacos de lixo orgânico, abrindo e remexendo os dejectos de terceiros em busca de algo que ainda se aproveite, já ultrapassou a perda da dignidade. Já perdeu tudo, e sobrevive, com todas as hipóteses de já não esperar mais de que conseguir chegar ao contentor seguinte e quem sabe encontrar uma caixa com uma fatia de pizza que alguém não comeu, ou um saco com meia dúzia de batatas fritas que tenham sobrado de alguma refeição...
Aqui há tempos, numa daquelas nossas conversas mais 'profundas' o meu filho perguntou-me em que ponto é que eu me situava em termos políticos. Vacilei na resposta, arrisquei um sincero 'já votei em todos os partidos políticos, da direita à esquerda', mas não era isso que ele queria saber. Pormenorizei.
Ok.
Os meus ideais políticos alinham com os da esquerda, mas não vivo de acordo com os meus ideais, e
como disse no inicio deste post, como não nasci para engolir hipocrisias a nenhuma das refeições que faço e pelas quais tenho a consciência de estar grata
tenho de me assumir como uma pessoa que se pontua por valores centro-direita. Por uma questão de frontalidade e sinceridade.
E depois seguiu-se a explicação daquilo em que consistia cada um e da razão porque era assim. O meu filho compreendeu.
Compreendeu ao ponto de assinalar casos que se pautam por essa mesma dualidade de valores.
Gente que se diz, afirma, embandeira pela esquerda e faz uma vida de cómoda direita, e não está disposta a abdicar do conforto que essa mesma mediania ainda lhes traz.
A política vale o que vale, isto é, nada. A política é um estranho jogo de xadrez em quem controla as peças ganha com isso, mas em que as peças são sacrificadas uma a uma, a começar, obviamente, nos peões. A política não passa de jogos de interesses combinados por detrás do pano, de holofotes e micros desligados, nas sombras, à boca pequena. A política esconde-se mesmo por detrás dos testa de ferro eleitos que caem enquanto os barões engordam.
A política é suja, nojenta.
E não há volta a dar.
Sempre foi assim e nunca assim vai deixar de ser. Falemos nós de democracia, oligarquia, ditadura... o nome varia mas as moscas... até podem voar em bailados mais ou menos elaborados, mas são sempre as mesmas, e estão lá para o mesmo.
Sempre.
Como os abutres nos desertos.