Amor. Ela pensava sempre que era amor, aquele amor que ela transbordava, o tanto que tinha para dar, tanto. Estivera a ser observada toda a noite, no grupo de amigas que comemorava uma promoção. Ele não desviara os olhos dela, e num arroubo de romantismo de pacotilha, enviara-lhe uma taça de espumante, atento que estava ao palavreado que corria entre todas as mulheres jovens naquela mesa. Ela aceitou, agradeceu com um trejeito de cabeça, e simulou um brinde, que ele (...)
Era Verão. Era sempre Verão ali, o que tornava o lugar ainda mais mágico. Saía do carro e o cheiro a pinho, que os tinha acompanhado durante a maior parte da viagem, falta muito, pai, falta muito, pai?, era substituído pelo cheiro a palha ao sol, aquele aroma meio a queimado, seco. Havia sempre dois braços à espera para a apertar, uma tia que chorava de emoção, um avô de olhos vermelhos que apertava a mão do pai, meio solenemente, com um sorriso que desmontava a (...)
Foi diagnosticada muito jovem, e devido às normas impostas em casa - não falar sobre o assunto, que era uma falha que devia ser escondida - nunca fez grandes amizades. Aprendeu a apreciar a sua companhia, a fazer tudo ou quase sozinha e a sofrer em silêncio. Criara uma bolha em que se movimentava quando estava fora de casa, olhos em frente, cabeça erguida, ouvidos fechados, um pé à frente do outro. A dor tomava tantas vezes proporções impensáveis, que a engoliam por (...)
A vida é um circulo curioso. Bem sei que associar a vida a essa forma geométrica, de original não tem nada, mas não há volta a dar, e com trocadilhos destes acho que era melhor ir dormir mais dez minutos e recomeçar o dia, assim como reiniciar um computador, só que como não sou máquina, ao invés fico aqui em frente ao espelho e perscruto o meu rosto devagar, com as pontas dos dedos, com a leveza que só as penas têm, como aquelas que enfeitam o chapéu que levei ao (...)
Estendeu-se no chão e deixou-se ficar imóvel, deitada de costas e com os olhos fechados. Depois da porta da rua finalmente fechada, depois da violência verbal e terror emocional finalmente afastados, sem ter sequer tempo para digerir a perda, que o foi, que o é, e que será sempre, chega o inimaginável: um clip de voz da outra filha com raiva mal disfarçada e argumentos impossíveis de rebater ou argumentar porque o final da mensagem foi e agora vou bloquear-vos a ambos, (...)
Deitado de costas na relva observo o céu estrelado, quase hipnotizado pela dança que as nuvens interpretam por entre as estrelas mais brilhantes que me lembro de alguma vez ter visto. É uma noite tão mágica que até a lua parece ter luz própria, penso, e vou sentindo os olhos a ficar pesados, ao mesmo tempo a relva se começa a assemelhar ao melhor colchão em que estive deitado. Completamente relaxado, não chego a adormecer. Pelo contrário, apesar dos olhos fechados, (...)
Como referi no post em que dei como inaugurado este novo desafio, fui eu que escolhi a primeira imagem, de entre as que recebi. E como as coincidências são unicórnios, a minha preferência aconteceu porque me identifico com a emoção que a obra me transmite. Estou a passar por uma fase absolutamente brutal, destrutiva, na minha vida. Daqueles marcos em que há o antes de, e o depois de. Em que as coisas como as conhecemos nunca mais serão iguais, onde dentro de nós tudo se (...)
Casara de branco com toda a simbologia inerente. Eram brancos os lençóis de algodão, com cabeção e fronhas bordadas com o seu novo monograma, agulha empunhada com esmero, para que o homem que a tinha escolhido e fora falar com o seu pai das suas boas intenções - casamento e sustento garantido, sem grandes luxos, mas o parco rendimento certinho - não se arrependesse da escolha que fizera. Assustava-a a perspetiva da noite, daquela, a primeira noite, e envergonhada (...)
Acordo e olho para os meus pés, a ver se cresceram durante a noite. E digam lá, se os pés tivessem crescido, eu também seria maior no corpo todo, já que os pés não crescem sozinhos não é? É que nem vos passa pela cabeça o quanto eu quero ser crescido, grande como o meu pai, assim valente, bater-me pelos meus filhos e defendê-los com a minha vida se preciso for - a minha mãe diz que eu sou um bocadinho dramático, mas tenho a certeza toda, todinha, que se fosse preciso o (...)
Ela queria morangos vermelhos, com certeza, ela adorava os pequenos frutos adocicados, e ele ia levar-lhos arranjados, dispostos numa bonita taça, enfeitá-los-ia com uma chiffonade de manjericão, fina como fios de cabelo, e ela ia adorar. Tendo pegado na embalagem com morangos - tão vibrantes, tão bonitos! - dirigiu-se à caixa para efetuar o pagamento. Continuou a repetir para si que ela ia ficar tão contente quando os visse, num tabuleiro com o individual de algodão, as (...)