Tanto onde havia tão pouco
Quando eu era muito pequenina (juro, tipo dois anos, três), e andava tipo bonequinha com a mãe, vestidinho rodado, curtinho, totós e laçarotes de seda nos mesmos, soquetes rendadas e sapatinhos de furinhos (a que chamavam sandálias), íamos muito ao Chiado. Descíamos a Rua Garret e invariavelmente entrávamos nos Grandes Armazéns do Chiado, em cuja entrada principal - hoje entrada do centro comercial - havia um reposteiro de veludo imenso, daquele grenat-pano-de-palco, e um porteiro fardado. E no Natal, obrigatoriamente íamos ver as montras dos Grandes Armazéns, em que ficava deslumbrada com os bonecos animados eletricamente por magia.
E desciamos à baixa, que nessa altura era cheia de gente, lanchávamos na Pastelaria Suissa, e percorriamos a rua Augusta, até à Casa Africana.
(depois o porteiro do Chiado desapareceu, o tempo foi passando e os Grandes Armazéns foram vendidos a um grupo de fancaria que lhe retirou todo o já pouco fausto, e o reduziu a uma coisa inominável).
Bom, andava eu a tirar o curso de design, quando o Chiado ardeu. Ainda hoje sinto um frio na barriga quando me lembro. Tive de ganhar coragem umas boas semanas antes de subir o elevador de Santa Justa e de ver lá de cima o que parecia o cenário de um bombardeamento.
Verdade ou consequência, a baixa murchou e depois morreu. As pessoas passaram a ir apenas aos centros comerciais, e nem paravam ali. Depois de escurecer era desaconselhado fazê-lo pela criminalidade associada à zona.
Entretanto, em 2015 foi o boom que já vinha a ser preparado: a baixa pulsa, palpita, pulula de gente - que não fala português, mas que vai enchendo os cofres do comercio local, que esteve há tão pouco tempo em vias de extinção, e os cofres do Estado, o que (pelo menos em teoria) ajuda o país a segurar-se nas pernas, depois da quase-banca-rota - risco de que ainda não saímos, digam lá o que disserem. Estamos mais longe, sem dúvida, mas um abanão na Europa e somos o elo mais fraco, adeus.
Eu gosto. Gosto de ver Lisboa tão vibrante de gente interessada, de máquina em riste a fotografar tudo, de ouvir três ou quatro línguas diferentes quando me sento numa esplanada, de responder a pedidos de direção em inglês (toooda a minha gente fala inglês, independentemente do país de origem).
Gosto.
Certo, o lixo - reforcem as equipas de limpeza - e, pior o barulho à noite, são o outro lado da moeda.
Mas, senhores, eu lembro-me da baixa fantasma, e olho HOJE para baixa mais viva de sempre.
Turistas? Welcome, Bienvenues, Willkommen, Bienvenidos, Benvenuti (e por aí adiante).
Bacci